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Música, movimento, dança circular e desdobramentos – por Clara Márcia Piazzetta

Música, movimento, dança circular e desdobramentos

A partir de um convite para escrever sobre as músicas e danças circulares para o Giraflor a primeira ideia que veio à minha mente foi o quanto o par “música e movimento” está, no senso comum, associado aos passos de danças e manifestações sociais e culturais. A partir de minha experiência como dançante de danças circulares trago algumas considerações.

Dançar cirandas faz parte de nossa vida desde muito pequenos nas chamadas brincadeiras de roda, quem se lembra de ciranda cirandinha e roda cutia? Quando ficamos adultos podemos repetir essa brincadeira com as crianças à nossa volta, ou nas festas juninas que nos convidam a ver ou mesmo dançar a “quadrilha”.

No Nordeste brasileiro temos manifestações da dança da ciranda inseridas na cultura. O que diferencia a dança da ciranda de outras formas de dança é sua característica de ser em roda, de ser de passo simples para o centro e para fora levando e girando a roda. A ciranda da Lia de Itamaracá trás nos versos como se dança a ciranda: Pra se dançar ciranda juntamos mão com mão. Formando uma roda Cantando uma canção.

A música, ou a experiência que a escuta musical traz, está diretamente integrada ao movimento. Música é um substantivo com muitas definições ao mesmo tempo em que pode ser considerada aconceitual, devida à sua complexidade. Mas, para essa breve reflexão pensá-la como sons organizados no tempo e espaço, nos ajudará. Tempo que é subdivido pelas sonoridades ao quebrarem o silêncio e nos convidarem, como ouvintes, ao entendimento do que está acontecendo ao redor. Existe algo se movendo no espaço para cima e para baixo, mais rápido ou mais lento nas melodias e ritmos dentro de um andamento constante, o pulso. O que dizer das intensidades e dos timbres que nos envolvem sobremaneira nessa aventura da percepção sonora do que está acontecendo ao nosso redor.

Todas as sonoridades musicais são também informações para nosso cérebro e, a mensagem que trazem não são para as palavras ou o pensamento lógico, mas sim para o corpo, para o que sentimos, para nossas emoções. Podemos colocar em palavras, sim, mas estaremos traduzindo e não estaremos mais na experiência sonora no aqui e agora, e sim, falando sobre ela.

Nosso corpo quase não resiste ao convite para mover-se diante dessa escuta, a começar pelo pé marcando o andamento ou o corpo balançando de um lado para outro. Os bebês fazem isso de modo espontâneo. O que dizer desse outro movimento do pensamento nos deslocando em nossa memória seja ela boa ou não. A escuta musical é como um barco em que ao entrarmos podemos ser levados a nossas emoções e momentos já vividos.

Voltando às danças em roda, existem além das cirandas, as circulares, as sagradas que têm a premissa de colocar em movimento energias de nós mesmos e do que está ao nosso redor. Dessa forma são realizadas em grupo ou separadas, de mãos dadas ou não e são ritualísticas. Nessas danças a música é um convite para o movimento e pede uma entrega do dançante. Entregar-se à sua intenção com a dança, colocar-se em contato consigo mesmo. Música e dançante quase que se fundem no aqui e agora do que está sendo vivido. Algo que é único e coletivo ao mesmo tempo para cada pessoa na roda, um escolher estar sozinho em meio a todos os dançantes que trazem proteção.

Essa experiência vivida pelo nosso corpo ganha amplitude quanto mais os passos apresentados pelos focalizadores (nome dado às pessoas que conduzem os trabalhos com danças circulares) estiverem integrados ao movimento da música. Os passos não são para serem coreografias mirabolantes, mas sim, o desafio está justamente nessa potencialização do movimento da música colocado em cada deslocamento do corpo com o pé direito depois o esquerdo, caminhando, passo junta passo, valsando, no sentido da roda ou para o centro e para fora. Tem também os braços coordenados em seus movimentos para dentro e para fora, para cima e para baixo, enquanto os pés levam a roda a girar. E não podemos nos esquecer da intenção de quem está dançando, ela se soma a todas essas ações já descritas, movida pela experiência de escuta musical.

Voltando à musica, aquelas bem ritmadas, bem marcadas em seu compasso seriam as mais adequadas? Ou as canções são as mais adequadas, pois, temos na letra um suporte para as intenções dos dançantes? A resposta não é direta. Cada elemento musical (ritmo, melodia, harmonia, timbre, andamento) oferece um espectro de ações para a percepção humana sendo que todos passam pelo centro das emoções nas primeiras tapas do processo da percepção sonora e musical. De modo que a expressão “menos é mais” mostra-se válida aqui. Coreografias para peças musicais com destaque para o ritmo, ou com destaque para linhas melódicas cantadas sem acompanhamento, ou de uma orquestração de violinos e sopros acompanhados pelo piano trazem em si uma oportunidade diferente para a roda e para cada participante. A intensidade do que é vivido não está diretamente relacionada com a quantidade de instrumentos ou da intensidade (forte ou fraco) da música. O critério para a intensidade da experiência com a dança circular, e sua adequação ou não, está nos detalhes da integração dos passos com a música e a intencionalidade do dançante quando se entrega ao movimento.

As peças com maior destaque no ritmo, na marcação, nos levam para estarmos mais próximos do chão, por assim dizer, pois nosso corpo sente com mais intensidade o apoio dos tempos fortes.  As velocidades mais rápidas podem nos levar a mais entusiasmo, sorrisos e euforia e exigem mais pela coordenação com a música.

As peças com maior destaque para a melodia, um solo de violino, violoncelo ou flauta, podem nos levar a imaginação de conversas entre os sons, as ‘frases da melodia’ mostram-se como que com começo meio e fim de uma ideia. As melodias não precisam de palavras para isso, por si mesmas, na lógica de contato de uma nota para a outra, já está inserida essa possibilidade. Nosso corpo sente, por vezes, um pouco menos de contato com o chão e mais com nossos pensamentos. Podemos dizer que a melodia deita-se para que nosso pensamento pegue uma carona e cada dançante tem a oportunidade de colocar as palavras e formar os versos de sua canção.  Se o instrumento de melodia for uma voz humana, a ideia de aconchego, cuidado e por que não maternagem, podem ser potencializadas. O desafio nessas peças muitas vezes está na percepção do pulso para que todos do grupo mantenham o mesmo sincronismo. Peças solo com menos velocidade podem nos levar a maior introspecção, nostalgias, intimidade conosco mesmos.

As peças com letras e acompanhamento podem oferecer experiências diversas, uma vez que, todos os elementos acima estão presentes e envolvem os dançantes.

E onde podemos encontrar o que foi descrito acima? Todas as danças circulares oferecem essa possibilidade? Acredito que não. Não basta ser dança circular para isso. Precisa ter sido pensada para isso.

Considerando minha experiência como dançante em rodas e eventos de danças circulares algo me chamou a atenção. Existem diferentes espectros de aprofundamento e de movimentos oferecidos por essas experiências, diferentes graus de contato de cada dançante com sua intimidade.

As danças circulares dos projetos: Mandalas em Movimento e Origens do Giraflor, já pelos nomes, apresentam-se diferentes das danças circulares conhecidas pelo senso comum. Dançá-los é mergulhar em um mundo novo onde não é uma música que estamos dançando, mas um objetivo a ser alcançado através de uma série de danças orquestradas em um crescente de oportunidades. A simplicidade dos passos por vezes contrasta com a complexidade da música seja pelo compasso não convencional, seja pela profundidade e beleza de uma linha melódica entoada por uma voz solo numa oração.

Mas como dito acima, colocar em palavras o que vivi com as danças circulares é uma tentativa frágil de tradução, pois não estou na experiência com a “música e movimento”, eu não tenho o aqui e agora, tenho minhas memórias e o que cada encontro movimentou em mim.

Clara Márcia Piazzetta CPMT 0037/94 é musicoterapeuta e acompanha o Giraflor desde seus primeiros passos e primeiras rodas. Atua como professora universitária. Por acreditar no poder da música, desenvolveu atendimentos em musicoterapia com grupos de terceira idade e como trabalho voluntário, dedicou-se a atendimentos de crianças em situação de vulnerabilidade social.

 

 

 

 

 

 

 

 

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